A campainha soou, e os corredores encheram-se de risos, mochilas às costas e passos apressados. Para a maioria dos alunos desta Escola Básica e Secundária, era apenas mais um dia. Mas para o Tiago, cada minuto naquele espaço era uma batalha silenciosa.
Desde o início do ano letivo, os cochichos e risadas maldosas começaram a segui-lo pelos corredores. Primeiro, foram comentários sobre a sua forma de vestir. Depois, sobre a maneira como falava. Em poucos meses, o Tiago tornou-se o alvo preferido de um grupo que se divertia às suas custas. As mensagens anónimas nas redes sociais foram a gota de água. “És uma vergonha.” “Ninguém gosta de ti.”
Os professores começaram a notar a mudança. Um rapaz que costumava ser participativo passou a evitar levantar a mão na sala de aula. As notas caíram. O olhar antes atento tornou-se distante.
Foi a professora Clara quem tomou a iniciativa. Em vez de ignorar os sinais, reuniu-se com a equipa da escola e expôs a situação. Mas, ao contrário de soluções tradicionais, a escola decidiu apostar na mentoria – um projeto inovador onde professores e alunos trabalhavam juntos para criar um ambiente mais seguro e acolhedor.
A primeira ação foi formar os docentes. Aprenderam a identificar sinais de alerta, mas, acima de tudo, a comunicar melhor com os alunos e a criar espaços seguros para o diálogo. Paralelamente, foi criada uma rede de mentores entre os próprios estudantes. Alunos mais velhos foram convidados a acompanhar os mais novos, tornando-se uma referência e um apoio para aqueles que se sentiam isolados.
Tiago passou a ter um mentor, o Pedro, um aluno do 9.º ano que já tinha enfrentado desafios semelhantes. Pedro não o abordou com perguntas invasivas nem discursos moralistas. Apenas esteve lá. Conversavam sobre videojogos, música, filmes. E, pouco a pouco, Tiago começou a confiar nele.
A maior transformação veio quando a turma do Tiago foi envolvida no projeto. Durante as sessões de mentoria, os alunos foram levados a refletir sobre as suas atitudes. Alguns perceberam que, mesmo sem ser agressores diretos, o seu silêncio contribuía para o sofrimento dos colegas.
Tiago não recuperou a confiança de um dia para o outro. Mas algo mudou: sentiu que não estava sozinho. O grupo de mentores tornou-se o seu refúgio. Ganhou coragem para se defender e, mais importante, para pedir ajuda quando precisava.
Meses depois, o Tiago já não andava de cabeça baixa pelos corredores. Voltou a sorrir, a participar nas aulas e a acreditar que a escola podia ser um lugar seguro.
O projeto de mentoria não beneficiou apenas o Tiago. Os mentores, ao ajudarem outros alunos, também desenvolveram empatia, responsabilidade e um sentido de comunidade. Os professores, por sua vez, aprenderam a criar um ambiente mais humano e próximo dos seus alunos.
O Bullying não desaparece da noite para o dia, mas é urgente e necessário pensar numa nova cultura escolar. E, com ela, pode nascer a certeza de que cada gesto conta, e que um simples ato de apoio pode ser o primeiro, passo para que tudo mude. 💙
Fernanda Ferreira, Professora, Mãe, Fundadora da Associação Amar Eva “Construímos pontes de Amor desde a infância”
Autora do livro “Eva entrega a Costela a Adão”
Vice-presidente Operativa Regional da Europa, na Rede Global de Mentores
Amareva.associacao@gmail.com