A indústria da tecnologia viveu um ano muito diferente, em que as tendências de crescimento depararam-se com ventos contrários do ponto de vista macroeconómico e geopolítico, algo que resultou num ano com dois semestres desiguais. Em junho de 2022, o volume de investimento em tecnologia europeia era 4% superior, face ao período homólogo de 2021. No entanto, a queda acentuada no capital de investimento no segundo semestre do ano indica que o investimento total ficará aquém do volume recorde do ano passado (100 mil milhões de dólares), ficando-se pelos 85 mil milhões.
Apesar deste ser considerado o ambiente macroeconómico mais difícil desde a Crise Financeira Global, o investimento deste ano será mais do que o dobro de 2020 (38.8 mil milhões de dólares). De acordo com dados os quantitativos recolhidos pela Atomico nos 41 países europeus, e no âmbito de uma sondagem às atitudes e experiências de milhares de fundadores, operadores e investidores europeus, entre os atuais desafios destacam-se:
A contração dos mercados públicos e privados:
As empresas de tecnologia europeias nos mercados públicos e privados viram cerca de 400 mil milhões de dólares do seu valor cair desde o início de 2022.
O valor total deste ecossistema desceu para 2,7 biliões de dólares, face a um pico de 3,1 biliões no final de 2021. No entanto, este mesmo valor não deixa de ser 5 vezes superior aos valores de 2015.
O volume de negociações baixou na Europa e aumentou em Portugal:
No primeiro semestre de 2022, registou-se um total de 133 rondas de financiamento de 100 milhões de dólares ou mais, ultrapassando os totais dos anos de 2019 e 2020 juntos. No entanto, com apenas 37 rondas de financiamento desta dimensão no segundo semestre do ano, estamos perante uma quebra generalizada do número de grandes rondas de financiamento.
82% dos entrevistados fundadores neste estudo acreditam que é agora mais difícil aceder a capital de risco do que há 12 meses.
Ao contrário desta tendência, em Portugal o nível de investimento aumentou 3.4 vezes face ao ano passado.
Os layoffs têm sido inevitáveis, mas Portugal tem dos índices mais elevados de emprego no setor da tecnologia:
Portugal é dos países com maior taxa de emprego dentro do setor das tecnologias, com mais do dobro da proporção comparativamente aos restantes mercados europeus.
Até à data, foram despedidos mais de 14,000 trabalhadores de empresas sediadas na Europa, equivalente a 7% do total de layoffs de trabalhadores a nível mundial.
Na maioria dos países europeus, o índice de oportunidades de emprego em tecnologia categorizadas como “difíceis de preencher” (o que significa que permaneceram sem preenchimento por mais de 60 dias após a sua listagem) aumentou em 2022 em comparação com 2021. Portugal é o único caso atípico onde se registou um declínio nos empregos “difíceis de preencher”, embora partindo de um ponto de partida elevado de 57%.
Portugal continua a ter o melhor índice de diversidade de género na Europa:
Portugal tem a proporção mais elevada de equipas de fundadores mistas com 17%.
Portugal tem dos melhores indicadores, e está abaixo da média europeia com um índice de 3.5.
A janela das IPO fechou (e não foi só na Europa):
Registaram-se apenas três IPOs no sector da tecnologia com uma capitalização de mercado superior a mil milhões de dólares na Europa e nos EUA em 2022 (duas IPOs na Europa).
Se compararmos este número com as 86 registadas nesse grande ano, que foi notável em termos de IPOs,, estamos perante uma redução de 30x no volume de IPOs.
Sarah Guemouri, Diretora da Atomico e Coautora do relatório afirma: “Este ano foi contraditório face às expectativas, mas temos de olhar para lá dos últimos 24 meses. Os números em termos de angariação de financiamento, a que nos habituámos no ano passado, eram astronomicamente altos, daí que possamos estar otimistas, uma vez que aquilo que estamos a testemunhar em 2022 continua a revelar níveis significativamente mais elevados do que há apenas dois anos. À medida que o ecossistema europeu for amadurecendo, assistiremos naturalmente a refluxos e fluxos, mas não devemos desprezar os progressos registados na atual conjuntura que tem impactado vários setores de atividade um pouco por todo o mundo.”
Apesar dos dados do setor, a inovação continua a registar um ritmo acelerado e 77% dos participantes deste estudo estão confiantes no futuro da tecnologia europeia a partir de 2023.
Tom Wehmeier, Partner e Diretor do Departamento de Estudos da Atomico e Coautor do relatório refere: “O ecossistema tecnológico, como o conhecemos, tem apenas 20 anos e, nesse período, amadurecemos a um ritmo incrível. O verdadeiro fator de sucesso do setor está no talento, na inovação e na criação de empresas a longo prazo. Os elementos cruciais deste puzzle continuam bastante válidos, com 44 mil milhões de dólares em fundos de capital de risco europeus prontos para serem investidos nas oportunidades certas. Em termos da pujança subjacente do nosso ecossistema, as coisas mudaram menos do que pensamos.”
Existem várias tendências que apontam para uma série de oportunidades no setor da tecnologia na Europa no próximo ano:
O ecossistema está a amadurecer rapidamente:
Apesar da saída de alguns investidores, o ecossistema tecnológico europeu continua a beneficiar de um conjunto diversificado de investidores experientes e bastante ativos. Existem mais de 3,200+ instituições únicas que participaram em, pelo menos, um investimento na Europa em 2022 até ao momento.
O talento também está a ser reciclado e transferido de uma geração de empresas para a próxima, tendo em conta que 55% dos fundadores e 59% dos líderes em 2022 têm experiência multigeracional, enquanto 22% dos fundadores e líderes têm experiência de trabalho em empresas avaliadas em mais de mil milhões de dólares.
Atualmente, o grupo da segunda década de 2000 de novos fundadores que “se formaram” em unicórnios de sucesso é de quase 700 – cerca de 25x mais do que o número de novos fundadores na primeira década de 2000. Isto gerou assim a maior cadeia de talentos que a Europa alguma vez teve.
Existe uma percentagem recorde de capital disponível e pronto para ser aplicado:
No final de 2021, o último período para o qual existem dados abrangentes e fiáveis, os investidores europeus de capital de risco e de crescimento tinham capital disponível na ordem dos 84 mil milhões de dólares, um aumento de quase 3x em cinco anos.
É de esperar um abrandamento no que respeita à rápida aplicação de capital em 2023, mas estes dados transmitem alguma segurança ao mercado de que haverá liquidez de capital, mesmo em caso de uma conjuntura mais difícil em 2023.
O compromisso com o planeta e o sentido de missão continuam no topo da agenda:
Os níveis de investimento europeu em empresas com sentido de missão deverão superar os valores recordes de 2021, embora apenas em parte. A nível global, a Europa é agora responsável pela maior fatia (51%) de todo o investimento em empresas de tecnologia com sentido de missão e em fase inicial, tendo em conta o capital investido em rondas de financiamento até 20 milhões de dólares.
Este ano, as empresas Planet Positive conseguiram novas quotas de mercado no mercado de tecnologia mais amplo, captando para si 15% do total do financiamento europeu até agora, uma subida de 12% face ao ano passado. Até o momento, isto representa 10,3 mil milhões de dólares investidos em empresas de tecnologia com o lema Planet Positive.
No que toca à América do Norte e à Ásia o investimento em empresas com sentido de missão diminuiu cerca de 50% e 65%, respetivamente, em 2022 face ao ano passado.
Existem agora 42 unicórnios europeus classificados como empresas com sentido de missão, representando assim 12% de todos os unicórnios europeus.
O setor da tecnologia da Ucrânia tem sido fundamental para a economia do país (com um grande agradecimento àqueles que contribuíram para a recolha destes dados e para a análise, e aos nossos parceiros da TechUkraine):
A indústria tecnológica ucraniana refletiu a maior resiliência europeia, apesar da guerra. Nos primeiros oito meses de 2022, as TIC na Ucrânia cresceram 16% face ao ano anterior. É a única indústria de exportação que gera rendimentos em moeda estrangeira de forma estável para a Ucrânia.
A maioria das empresas de TIC ucranianas (85%) regressou aos indicadores pré-guerra e 77% das empresas de TIC do país atraíram novos clientes desde o início da guerra.
E apesar da guerra uma empresa ucraniana qualificou-se como unicórnio: a Unstoppable Domains que cria sites incensuráveis usando domínios protegidos por blockchains.
Esse crescimento reflete a força mais ampla do ecossistema de startups ucranianas, que atraiu 241 milhões de dólares até ao final de Outubro. No contexto mais amplo da região da Europa Central e Oriental, esta situação coloca a Ucrânia em sexto lugar global em termos de investimento em startups.
Chris Grew, Partner, da Technology Companies Group, Orrick afirma: “Estamos a viver um período de incerteza nos mercados – e os dados sugerem claramente que os fundadores farão bem em manterem-se concentrados na eficiência, sustentabilidade e rentabilidade em vez do crescimento desenfreado. Dito isto, o leque de investidores é maior do que nunca e o papel da tecnologia na economia europeia é muito diferente do que durante o último abrandamento. Na verdade, é fundamental para resolver a crise ambiental e outros desafios que enfrentamos como sociedade.”
Simon Bumfrey, Diretor do Departamento de Gestão de Contas Comerciais para a Europa, da filial do Silicon Valley Bank no Reino Unido afirma: “A economia deparou-se, sem dúvida com fortes ventos contrários, gerando incerteza em todas as empresas em fase inicial e setores do ecossistema de inovação e tecnologia. O abrandamento ao nível do investimento não é surpresa para ninguém, mas, no geral, tem sido encorajador ver empresas a adaptarem-se rapidamente aos desafios com tanta tenacidade e agilidade. E, em virtude disso, estamos a assistir agora a um forte fluxo de investimentos em estágio inicial e um reforço do financiamento da dívida, o que ajudará as empresas a navegar no futuro e impulsionar o crescimento, e estamos confiantes de que a economia da inovação saíra daqui mais forte do que nunca.”
As principais tendências do relatório serão discutidas num um evento digital no dia 7 de dezembro , às 14h30 GMT, com contributos de alguns dos fundadores e investidores mais proeminentes da Europa, tais como: James Anderson (Presidente, Kinnevik), Judith Dada (Sócia Geral, La Famiglia), Federico Faggin (inventor do primeiro microprocessador comercial), Lila Ibrahim (COO, Deepmind), Sebastian Siemiatkowski (CEO e Co-fundador, Klarna), Niklas Zennström (CEO e Co-fundador Atomico), Tania Boler (CEO e Co-fundadora, Elvie). As inscrições estão disponíveis aqui https://events.atomico.com/soet2022livestream..
