Quando olhamos para Jamie Miller, um jovem de 13 anos sentado na cadeira da sala de interrogatório, o que vemos? Um adolescente assustado ou apenas mais um caso a ser resolvido? Vemos um jovem que procura quem o compreenda ou um crime para ser etiquetado e encerrado?
A série Adolescência, da Netflix, não nos traz apenas a história de um jovem acusado. Traz-nos um espelho – desconfortável, doloroso, mas essencial. Mostra-nos que, num mundo onde acreditamos estar mais informados do que nunca, continuamos a falhar no mais básico: ouvir os nossos jovens.
O neuropsiquiatra Daniel Siegel explica que o cérebro de um adolescente não é um problema a corrigir, mas um universo em construção. E, no livro “O Seu Filho Precisa de Si”, Gordon Neufeld e Gabor Maté reforçam que os adolescentes precisam de conexão e pertença antes de qualquer outra coisa. No entanto, em vez disso, damos-lhes horários preenchidos, exigências escolares, redes sociais viciantes e uma solidão disfarçada de liberdade.
A verdade?
O jovem de 13 anos que não pede ajuda não é porque não precise.
É porque aprendeu que os adultos não ouvem.
Tratamos os adolescentes como se a escola, a internet e um telemóvel fossem suficientes para que soubessem tudo. Exigimos que estejam prontos para a vida porque têm acesso a informação, mas esquecemo-nos de que informação não é sabedoria. Crescer não é apenas um processo biológico, mas um percurso emocional e social que precisa de guia e apoio.
E onde estão esses guias?
Onde estão os adultos que não julgam antes de perguntar? Que não concluem antes de escutar?
A série mostra-nos a pressa com que rotulamos.
Jamie é visto como culpado antes de alguém perguntar: O que aconteceu? Como te sentes?
Será aceitável continuar a acreditar que não podemos esperar que os adultos ajam de outra forma, se também eles cresceram num mundo onde os sentimentos nunca foram prioridade?
Os pais trabalham mais horas do que dormem, convencidos de que proporcionar uma boa casa e comida na mesa é suficiente. As mães estão tão ocupadas a manter a ordem na vida familiar que não percebem o caos que se instala dentro dos próprios filhos.
E a realidade é que a adolescência de Jamie não começou naquele dia de interrogatório. Nem sequer no primeiro dia de escola. Começou antes de ele nascer. Começou nas preocupações que a mãe teve durante a gravidez, nas conversas à volta da mesa quando era pequeno, nos silêncios que absorveu sem compreender.
Os jovens são observadores atentos. Não aprendem apenas com o que lhes dizemos, mas com o que não dizemos.
Ouvem os pais falarem sobre sucesso, mas não sobre vulnerabilidade.
Veem adultos a lidarem com o stress, mas não com as emoções.
Crescem sem um mapa claro para as tempestades que inevitavelmente virão.
E depois, quando chegam aos 13 anos, esperamos que tenham respostas para perguntas que nunca lhes fizemos.
Não podemos continuar a delegar a educação emocional dos nossos jovens ao acaso, à escola, às redes sociais. O papel do adulto não é apenas pagar contas e impor regras. É ser um mentor, um porto seguro, um tradutor do mundo.
Cada adolescente é único, e a sua dor não pode ser reduzida a diagnósticos ou estatísticas.
Jamie Miller podia ser qualquer um dos nossos filhos, irmãos, alunos.
Podia ser qualquer jovem que cresce num mundo que fala sobre eles, mas raramente com eles.
A pergunta agora é: seremos capazes de mudar isso?
Fernanda Ferreira, Professora, Mãe, Fundadora da Associação Amar Eva
Autora do livro “Eva entrega a Costela a Adão”
Vice-presidente Operativa Regional da Europa, na Rede Global de Mentores
Contacto: amareva.associacao@gmail.com