Era uma manhã como tantas outras no pátio da escola. O Tiago estava encostado ao muro, sozinho, enquanto um grupo de colegas juntava-se à volta dele. Primeiro, eram apenas risos abafados, depois começaram os comentários. “És mesmo um totó!”, disse um deles. Outro imitou a forma como ele falava. O Tiago olhava para o chão, as mãos enfiadas nos bolsos, como se tentasse desaparecer.
O João estava ali, entre os outros. Não era um agressor, mas também não era vítima. Era apenas um miúdo a assistir. Sentia um nó no estômago – sabia que aquilo estava errado. Se estivesse sozinho com o Tiago, provavelmente até lhe diria alguma coisa para o animar. Mas agora, rodeado pelo grupo, sentia-se incapaz de agir. O medo de ser o próximo alvo era maior do que a vontade de ajudar.
O Bullying raramente acontece no silêncio ou no vazio.
O Bullying alimenta-se da presença dos outros, da força da multidão. O psicólogo Gustave Le Bon, no seu livro Psicologia das Massas, publicado em 1895, já falava sobre isto. Quando fazemos parte de um grupo, o nosso comportamento muda. Perdemos um pouco da nossa identidade individual e tornamo-nos mais influenciáveis, mais propensos a seguir a maioria – mesmo quando sabemos que essa maioria está errada.
Se pensarmos bem, a maior parte dos bullies não age quando está sozinho. O que lhe dá coragem não é apenas o desejo de magoar, mas sim a validação do grupo. Quando há um público, o Bullying torna-se um espetáculo. O agressor sente-se mais poderoso porque há quem ria, quem assista em silêncio ou, no mínimo, quem não o desafie.
Depois, temos aqueles que assistem. Muitas crianças e jovens que veem cenas de Bullying acreditam que, se estivessem sozinhos, fariam algo para ajudar. Mas, em grupo, hesitam. Este fenómeno chama-se “difusão de responsabilidade” – quando estamos rodeados de outras pessoas, assumimos que alguém fara alguma coisa. E muitas vezes, ninguém faz nada.
Há ainda aqueles que, sem serem naturalmente agressivos, acabam por rir ou incentivar o Bullying. Não o fazem porque concordam com a agressão, mas porque querem pertencer ao grupo, porque têm medo de ser diferentes, porque o instinto de sobrevivência social fala mais alto.
Agora, pensemos no Tiago. Se tivesse ali um amigo ao seu lado, um único colega que dissesse “Deixem-no em paz”, tudo poderia ser diferente.
O Bullying isola, faz a vítima sentir-se sozinha e sem defesa.
Mas quando alguém tem a coragem de se levantar para dizer “não”, o agressor perde a força e a vítima ganha coragem.
Se o grupo pode ser uma força negativa no Bullying, também pode ser uma força de mudança. O segredo está na educação, na sensibilização, na informação.
As crianças e os jovens precisam de aprender que:
- Defender alguém não é ser fraco – é ser corajoso. Um simples “Para!” pode fazer toda a diferença.
- Assistir em silêncio também é uma escolha. O Bullying só sobrevive porque há quem o permita.
- Empatia pode ser ensinada. Se formarmos as crianças para reconhecer e respeitar a dor do outro, estaremos a criar uma cultura de inclusão e respeito.
É aqui que o papel da escola, da família e da comunidade pode tornar-se essencial. Com formação adequada, os professores sentem-se mais preparados para lidar com estas situações. Os pais tornam-se mais atentos aos sinais. E. as crianças e jovens percebem que não estão sozinhos, que podem pedir ajuda e que têm o poder de dizer “basta”.
Afinal, como nos ensina Le Bon, o grupo tem um poder imenso sobre o indivíduo. Cabe-nos decidir se queremos que esse poder seja usado para propagar o Bullying ou para acabar com ele.
Fernanda Ferreira, Professora, Mãe, Fundadora da Associação Amar Eva
Autora do livro “Eva entrega a Costela a Adão”
Vice-presidente Operativa Regional da Europa, na Rede Global de Mentores
Contacto: amareva.associacao@gmail.com