Como caracteriza o seu percurso profissional?
Caracterizo como completo, como sempre desejei. Quando acabei a faculdade, tinha como objetivo trocar de emprego de dois em dois anos, o que aconteceu. Passei pelos mais variados tipos de negócios até chegar a CTO de uma empresa reconhecida em Portugal. Em 2005, financiado por uma empresa de capital de risco, tentei a compra dessa mesma empresa, que acabou por não se efetuar. Nessa altura, decidi lançar alguns projetos próprios, nomeadamente na área da tecnologia para retalho. Estive a viver alguns anos em Londres e, devido à venda de um desses projetos, mudei-me para Hong Kong; dois anos mais tarde segui para Singapura. A experiência na Ásia permitiu-me entrar na área da gestão e colaborar com empresas de capital de risco locais. Entretanto, mantive alguns projetos em Portugal e um deles foi adquirido pela Sage. Por esse motivo, voltei para o Porto e, além de assumir a liderança do departamento de R&D da Sage Portugal, iniciei um fundo de investimento early stage e fui presidente da Invicta Angels, para tentar ajudar as startups da região. Em 2019, com a saída da Sage, passei a dedicar-me ao fundo de investimento, estando na génese da Investors Portugal. Desde 2020, sou CEO da StoresAce e board member de diversas outras startups.
O que mais valorizou e retirou de cada uma das etapas da sua carreira?
A minha carreira é caracterizada pela diversidade: diversos tipos de funções, de negócios e indústrias, e diversas áreas geográficas. Consequentemente, a exposição a esta diversidade permite-me ter uma visão mais ampla sobre o que um negócio em específico pode ser.
Em termos mais específicos, valorizo muito as experiências nacionais que correram menos bem, pois conseguiram mostrar-me como não fazer algumas coisas.
Por último, tive a sorte de trabalhar e ficar amigo de pessoas que acrescentaram e continuam a acrescentar muito na minha maneira de ver o negócio e a vida, pelo que julgo que o meu principal ativo são essas pessoas.
O que sente que o diferencia?
O que me diferencia é um conjunto de quatro coisas: o conhecimento em múltiplas áreas de negócio e regiões, o pensamento analítico, a tolerância à falha e o desprendimento das limitações impostas.
O facto de ter passado por diversos tipos de negócio, em várias posições e diversos locais do globo, permite-me importar conceitos de uma indústria para outra ou implementar processos que funcionam em indústrias que normalmente não são comunicantes. Por outro lado, a capacidade de ver todos os problemas de uma forma analítica, típica dos engenheiros, tende a trazer o racionalismo a todos os tipos de decisão – o que em termos de negócio tende a produzir melhores resultados.
Na área em que consigo mesmo fazer a diferença é na da inovação, com as duas outras características. O desprendimento dos limites faz com que tenda a resolver questões de uma forma que não tenha sido pensada ou a olhar para soluções que não sejam limitadoras para o resultado final. Claro que isto tem de ser aliado à capacidade de falhar, pois para experimentar coisas novas precisamos de perceber que a falha está inerente ao processo. E não podemos ter medo dessa falha.
Que desafios tem a nível profissional no seu dia a dia?
O grande desafio do meu dia-a-dia é a mudança de contexto. Continuo a estar envolvido em diferentes tipos de negócios, sejam a gestão de empresas estabelecidas, as aquisições, o acompanhamento das participadas ou a mentoria e investimento em novas startups.
Para que isto funcione, tenho de estar rodeado de pessoas que percebam mais das áreas de negócio do que eu, que sejam autónomas, com capacidade de tomar decisões e, principalmente, que façam acontecer. Felizmente, isso acontece.
Que mensagem pretende passar à sua equipa?
Sou alguém que gosta de liderar pelo exemplo: tento que as pessoas reconheçam a minha capacidade para estar na sua posição e de fazer o que lhes peço. Tenho elevada tolerância à falha pois “só falha quem tenta” e, para se inovar ou fazer diferente, é necessário correr riscos. Uma das mensagens que tento passar à minha equipa é que o importante é falhar rapidamente para se testarem depressa os conceitos e entrarmos no caminho certo logo que possível.

Fale-nos um pouco sobre a StoresAce, sobre a solução e a quem se dirige.
A StoresAce é uma solução de gestão multi-loja, que permite trabalhar desde a base da operação até aos gestores de topo, passando por todos os níveis intermédios. Está alojada na cloud, funciona online e permite um controlo total de uma rede de lojas em tempo real, em qualquer lugar e em qualquer momento. Desta forma, a nossa plataforma confere grande flexibilidade e fiabilidade aos utilizadores.
Ao recorrer a uma plataforma como a StoresAce, desafios como manter uma tabela de preços constante em situações variadas – lojas no litoral e no interior do país, em diferentes regiões fiscais ou em línguas diferentes -, tornam-se de gestão simples. Conseguimos, igualmente, garantir o acompanhamento dos stocks online de centenas de lojas, para podermos aceitar encomendas Pick-Up in Store, o que só é possível com sistemas que tenham nascido de base para resolver questões desse tipo, tanto em termos de arquitetura como em termos de desenvolvimento.
Além disto, a StoresAce é uma plataforma de gestão omnicanal, na qual se podem gerir canais físicos e digitais no mesmo sítio e da mesma forma, mas que, além disso, resolve os problemas da escala, recorrente em muitas lojas físicas. Por outro lado, sendo uma plataforma de nova geração, é muito data-driven, ou seja, foca-se bastante na gestão dos dados, sendo que estes existem em abundância, principalmente se os clientes tiverem muitas vendas – contrariamente a soluções que existem no mercado que preferem transferir os seus dados para sistemas externos, por falta de capacidade para os gerir. Nós mantemos esses dados para, no futuro, termos a capacidade de ajudar os clientes multi-loja, uma vez que são os que geram mais dados, com mecanismos de machine learning, em tarefas como a otimização das compras e stocks, a previsão de vendas e as necessidades de equipa.
Já se fala bastante de metaverso no retalho, a StoresAce já está a pensar em alguma solução para o metaverso?
O termo Metaverso, criado há mais de 30 anos, é indiscutivelmente uma realidade cada vez mais evidente. Os retalhistas, enquanto se adaptam às mudanças trazidas pelo comportamento da Geração Z, já olham para as tendências de consumo que deverão pautar a Geração Alpha – e é claro que as gerações mais novas vão, cada vez mais, comprar em cenário de jogos. Vai ser uma evolução natural. A StoresAce, ainda não estando a pensar numa solução para o metaverso, está atenta a estas mudanças e preparada para inovar.
Como caracteriza o mercado português, comparativamente com outros mercados da área?
O mercado do Retalho, principalmente em empresas com muitas lojas, tem uma resistência elevada à mudança, uma vez que o risco de troca de sistemas é elevado, nomeadamente pela perda potencial de vendas. O mercado português não é exceção. No entanto, também verificamos que está a mudar muito depressa: estão a nascer novos modelos de negócio e novos canais de vendas. Exemplo disto é o investimento do Estado na Indústria 4.0, fomentando a adoção de projetos de comércio eletrónico, ou as plataformas de delivery (como a Uber ou a Glovo), que trazem às vendas uma configuração diferente. Estas mudanças têm levado os retalhistas a procurarem soluções mais ágeis e de nova geração, e que, mais do que tudo, sejam abertas à implementação de novos tipos de negócio. Nós temos visto um crescimento da implementação da nossa plataforma principalmente por estas razões, em clientes tão distintos como a Hussel, a Olá, a Stone by Stone e a Flying Tiger ou a Burger King.
Quais são as suas fontes de auto motivação e inspiração?
Acredito que a minha motivação vem do objetivo de ajudar pessoas, que eu não conheço, em qualquer parte do mundo, através de produtos ou serviços que eu contribuí para que existissem.
A inspiração vem de todo o lado: de pessoas, de livros, de uma Ted Talk que vi, de uma entrevista que acompanhei ou de uma experiência que tive. Eu estou predisposto a “saber” por defeito e qualquer situação me faz perguntar “porquê”. Sou curioso e quero perceber tudo o que não conheço.
Como faz para se manter atualizado?
Hoje em dia, a informação corre tão rapidamente que é preciso correr com ela para a acompanhar. Em termos profissionais, olhar para o mercado é essencial. Uma das maiores lições que aprendi no meu percurso foi a de que todas as empresas têm uma solução “concorrente” e, por esse motivo, procuro sempre manter-me atualizado sobre o que se passa nas áreas de atuação da StoresAce, como o Retalho e a Restauração.
Qual a sua meta pessoal?
Fazer da região Norte uma referência em algumas áreas de negócio, sendo reconhecida internacionalmente. Desde que comecei a trabalhar tenho tido a sorte de circular pelo mundo fora e conseguir ver produtos ou serviços que tiveram a minha colaboração a serem usados por estranhos. Nada paga essa sensação.
Quando retornei de Singapura tinha como objetivo ajudar o ecossistema das startups na região do Porto. Acho que é uma região com muito valor em termos de recursos humanos e que tem uma posição geograficamente central em relação a Madrid, Lisboa e Londres.
Nada me daria mais prazer do que, no futuro, vermos uma empresa ser considerada líder da sua indústria com a minha ajuda. Pode ser o caso da StoresAce, da Nanopaint, ou outras.

Projetos futuros seus e da StoresAce?
Os objetivos prioritários da StoresAce são crescer em número de clientes e mantê-los connosco. Esperamos, dessa forma, ser a marca de referência para a gestão multi-loja, algo que só é possível se a solução estiver “na crista da onda”. Aliás, está no nosso ADN aprender com todos os clientes, mas, também, apresentarmos novas soluções para os seus desafios.
A nível pessoal, gostaria de estar ligado a um projeto relacionado com o mar, pois o nosso potencial é tão grande, que é uma área em que eu gostaria de aprender e colaborar. Pode ser que esta entrevista sirva também para que empreendedores que tenham ideias sobre projetos ligados ao mar entrem em contacto comigo e eu possa colaborar no sentido de voltarmos ao tempo em que liderávamos o mundo no que respeita aos descobrimentos e à tecnologia marítima.
Numa perspetiva menos empresarial, estou a iniciar um projeto de carbono pessoal zero, que passa por plantar dois pinheiros por dia e, assim, não só colaborar na descarbonização da maneira mais low tech possível, como também deixar uma infraestrutura que vai perdurar muito depois da minha existência.
De que valor humano não abdica?
Do respeito – acredito que é a base para todas as relações. Na StoresAce trabalhamos sempre em equipa e respeitamo-nos mutuamente. É a única forma de se construir uma equipa de confiança.
Algo que o marcou?
O princípio fundamental de vietnamitas que conheci: “Os pais não passam o que é mau (como o rancor e a vingança) para a geração seguinte”.
Um desejo. Uma ambição?
Vender uma casa e viajar até se acabar o dinheiro.
Um livro…
“The Innovators Dillema”, de Clayton Christensen.
Uma música…
“Skin Deep”, de Buddy Guy.
Tem alguma mensagem que queira partilhar?
“Always look at the bright side of life.”