Vivemos tempos curiosos. Tempos em que a liberdade de expressão é celebrada, o humor é exaltado como ferramenta de crítica social, e, ao mesmo tempo, os limites entre uma piada inteligente e uma humilhação pública tornaram-se perigosamente difusos.
O caso que opõe os Anjos à humorista Joana Marques é apenas o exemplo mais recente — e mediático — desse mal-estar moderno.
Não se trata apenas de famosos. Trata-se de nós todos.
O que começou como uma rubrica humorística, partilhada milhares de vezes, reacendeu uma questão séria: quando é que o humor deixa de ser comentário e se torna ataque?
E será que uma única emissão repetida em massa, por ter como alvo figuras públicas, continua a ser “só uma vez”?
Joana Marques é, sem dúvida, uma das vozes mais relevantes do humor crítico nacional. E os Anjos são, há décadas, rostos conhecidos da música portuguesa. Ambos representam mundos que se cruzam cada vez mais: o da arte e o da opinião pública.
Mas quando a sátira atinge diretamente a dignidade pessoal — ou profissional — e os danos ultrapassam o riso, temos de fazer uma pausa e refletir.
Este não é apenas um processo judicial.
É um espelho social.
Porque todos nós, nas redes sociais, nas conversas de café, nos comentários que deixamos online, participamos — consciente ou inconscientemente — na normalização de certos discursos.
Achamos graça. Partilhamos. Alimentamos. E raramente perguntamos: “e se fosse comigo?”
O bullying, ao contrário do que muitos pensam, não precisa de ser diário, nem cara a cara. Precisa de algo mais simples: repetição, desproporção e ausência de empatia.
Neste caso, as palavras foram ditas uma vez. Mas ouvidas milhões. Repetidas em rádios, reels, vídeos, comentários. Tornaram-se ruído permanente. E quem o sofre, sente-o assim!
A questão não é cancelar o humor. Longe disso.
O humor tem — e deve ter — espaço para incomodar, provocar e até desconstruir tabus. Mas não deve deixar de lado a consciência do impacto, especialmente quando quem o faz sabe o alcance das suas palavras.
Este caso lança-nos perguntas fundamentais:
- Como educamos para a liberdade de expressão com responsabilidade?
- Como distinguimos humor de ataque, opinião de escárnio?
- E como construímos uma sociedade em que se possa rir… sem ferir?
No fundo, o que este caso expõe não é apenas o conflito entre duas partes. É o sintoma de uma sociedade que ainda está a aprender a lidar com o poder das palavras — sobretudo quando amplificadas por likes, partilhas e risos fáceis.
Fernanda Ferreira, Professora, Mãe, Fundadora da Associação Amar Eva
Autora do livro “Eva entrega a Costela a Adão”
Vice-presidente Operativa Regional da Europa, na Rede Global de Mentores
https://www.redeglobaldementores.org/
Contacto: amareva.associacao@gmail.com