Entrevistámos Luiza Teixeira de Freitas, Presidente da Operação Nariz Vermelho.
Quem é a Luiza Teixeira de Freitas?
É difícil definir-me na terceira pessoa. Há uma frase de um poema do Walt Whitman, que o Bob Dylan usou para uma música e eu levo-a também emprestada: “I am large. I contain multitudes”. É um bom resumo de como me vejo, poder ser tantas pessoas numa só. Darmo-nos a liberdade de sermos uma multitude.
Nasci no Rio de Janeiro e trago comigo, sem dúvida, a leveza, a música, o amor à vida, típicos de ser brasileira. Mas cresci em Portugal, tenho aqui raízes e, mesmo tendo vivido em outros países, escolhi estar aqui para ser. Sou uma mulher de muitas palavras, vivo com intensidade, sor(riso) fácil, estou quase sempre de bem com a vida. Sou empreendedora e dedicada, trabalho no que gosto, sou apaixonada, sou mãe, parceira e sempre rodeada de amigos. Adoro morangos com chantilly, poesia, correr e o cheiro da chuva. Não gosto de salsa, gente chata, muita explicação e roupa apertada.
Como caracteriza o seu percurso profissional?
Cresci com o sonho de ser atriz, passei a infância com papéis principais em peças de teatro da escola e sonhos de uma estatueta na passadeira vermelha. Mas, ao tornar-me jovem adulta, as vontades mudaram e outros ventos surgiram na minha vida. Fui aprender árabe e fotografia ao mesmo tempo que estudava jornalismo cultural. Em paralelo, trabalhava ativamente na coleção de arte da minha família e ia fazendo estágios em revistas, galerias, bienais e coisas afins. Sempre muito ativa, sempre ambiciosa. Aos 22 anos fiz as malas, candidatei-me a um estágio na Tate Modern e outro na Al-Jazeera. O primeiro chegou antes e nunca mais deixei a arte contemporânea e a curadoria. Hoje em dia vivo de um equilíbrio entre a minha profissão ‘oficial’, de curadora independente, e o trabalho bastante exigente que tenho na Direção da Operação Nariz Vermelho. Mas acredito que as duas posições se complementam.
Como foi abraçar uma causa tão nobre como a da Operação Nariz Vermelho?
Foi bastante natural. A Operação Nariz Vermelho existe na minha vida há 20 anos, desde 2002, quando foi fundada pela minha mãe, Beatriz Quintella. Mesmo que, por vezes, de forma mais “distante”, sempre estive muito próxima e ligada à organização. Desde 2019, quando assumi o papel de Presidente da organização, sinto uma responsabilidade acrescida, por estar numa posição que tem outro compromisso e uma dedicação bastante mais presente e enérgica.
Que desafios tem como líder?
Não me considero uma líder per se. Somos uma Direção composta por cinco pessoas – Susana Ribeiro, Elgar Rosa, Ana Sofia Catarino, Francisco Abecasis e eu –, cada um de uma área profissional diferente, aportando valor à Direção de diferentes formas. Apesar de eu os representar para o público e aparecer mais vezes, o trabalho é todo feito em conjunto. É uma liderança repartida. Os desafios são muitos, porque a organização é muito grande e carrega uma enorme responsabilidade social. Trabalhamos semanalmente com as Direções – executiva e artística – para garantir um trabalho de excelência nos hospitais onde trabalhamos.
Que outras dimensões inclui esse desafio?
Além da dimensão de responsabilidade social, temos a dimensão humana, que é muito importante. Garantir que todos os nossos artistas são acompanhados e preparados para o difícil trabalho junto das crianças hospitalizadas é uma prioridade. Isto é, naturalmente, extensível à equipa do escritório, que tem um papel essencial na gestão diária de toda a operação. Temos, igualmente, uma preocupação grande com a sustentabilidade da ONV, que não depende de apoios do Estado, e, finalmente, não descuramos a necessidade de sermos gratos a todos que connosco colaboram para que a nossa Missão seja uma realidade.

É exigida muita criatividade e inovação aos “doutores” da Operação Nariz Vermelho. Como se motivam / inspiram?
O trabalho do Doutor Palhaço é sem dúvida muito exigente. Em primeiro lugar, para ser Doutor Palhaço tem de se ter formação artística. Depois, além da formação que estes profissionais recebem para estarem em ambiente hospitalar, em contacto com as crianças e todos os profissionais do hospital, há sem dúvida o trabalho de criatividade e constante renovação de um repertório que se quer sempre fresco e atual. Fazem muitas formações em variadas áreas e, além de toda a inspiração que vão buscar a fontes específicas – livros, teatro, cinema, música –, é essencialmente do dia-a-dia, das situações do quotidiano que aparecem as melhores ideias. Um ator, neste caso um palhaço, é uma esponja. Faz uso de tudo o que o rodeia para transformar em brincadeira, em humor, em absurdo.
Fale-nos mais da missão da Operação Nariz Vermelho?
A missão da Operação Nariz Vermelho é levar alegria à criança hospitalizada, aos seus familiares e profissionais de saúde, através da arte e imagem do Doutor Palhaço, de forma regular e com uma equipa de profissionais com formação específica.
Fale-nos da sua equipa…
Temos 25 Doutores Palhaços na nossa equipa, que levam alegria a 17 hospitais em todo o país. No escritório são 15 profissionais a trabalhar nas mais diversas áreas, garantindo que o trabalho levado aos hospitais é assegurado e de excelência. Na Direção somos 5 e temos ainda um Conselho Consultivo formado por 13 profissionais de áreas variadas, que nos dão apoio pontual quando necessário.
Que mensagem pretende passar à sua equipa?
A mensagem principal que passamos é a de que somos todos privilegiados por trabalhar numa organização como a Operação Nariz Vermelho. E que hoje a ONV não pertence a nenhum de nós. É das crianças. Das que visitamos hoje e das que visitaremos no futuro. E é fundamentalmente isso que tem de nos dar um sentido de responsabilidade maior.
As mulheres ocupam cada vez mais posições de relevo. Isso deve-se a quê?
Ao talento e ao profissionalismo. Apesar de sabermos que as estatísticas ainda mostram uma enorme desigualdade em determinadas categorias profissionais, acredito na irreversibilidade de uma sociedade baseada apenas no mérito. Hoje as mulheres têm acesso às mesmas condições de educação e de acesso ao mercado de trabalho (este ano, por exemplo, 53% dos alunos inscritos nas universidades portuguesas são mulheres), pelo que é natural que, no futuro, estejam a ocupar cargos de relevo em número equivalente aos dos homens.

O que mais valorizou e retirou de cada uma das etapas da sua carreira?
Tive a sorte de poder experimentar áreas muito diferentes, fiz estágios desde muito nova, trabalhei com muitas pessoas diferentes, o que faz de mim uma espécie de camaleão: adapto-me com facilidade a diferentes ambientes e projetos. Hoje olho para trás – já são quase 20 anos de carreira – e sinto que o mais importante e valioso que tenho são sem dúvida as pessoas que conheci e com quem aprendi ao longo deste caminho.
Quais são as suas fontes de auto motivação e inspiração?
De motivação são os meus filhos, todos os dias; o desporto também é imprescindível ao meu bom humor; e motiva-me também trabalhar para alcançar cada vez mais qualidade de vida. Inspiro-me em livros, sempre – literatura e poesia são os favoritos do momento; mas principalmente nas pessoas à minha volta que admiro: o meu marido, por exemplo, que é o meu oposto em personalidade e trabalha numa área completamente diferente, o que me traz um enorme equilíbrio a tantos níveis; e na minha mãe, claro, que deixou um enorme legado de vida e é sem dúvida a minha maior fonte de inspiração.
Como faz para se manter atualizada?
Acho que a grande questão dos dias que correm é exatamente o oposto – como ficar mais desatualizada? A informação chega-nos 24 horas por dia de todos os lados a uma velocidade relâmpago. O complicado é digerir todo esse bombardeamento diário e compreender com discernimento o que vale mesmo o nosso tempo e o que é inútil.
Qual a sua meta pessoal?
Ser o mais feliz e realizada possível em todas as dimensões da minha vida.
Projetos futuros?
Na Operação Nariz Vermelho será conseguir chegar a mais crianças e mais hospitais, garantindo que a organização se mantenha sustentável e saudável.
Ao nível da curadoria, tenho sempre muitas coisas novas a surgir. Mesmo antes da pandemia estava a começar vários projetos no Médio Oriente, que, entretanto, ficaram suspensos. Gostava de retomar a relação com essa parte do mundo.
Há ainda uma pós-graduação que comecei este ano em Cuidados Paliativos Pediátricos. Tenho a certeza de que, em breve, terei muitas ideias para projetos futuros nessa área também.

De que valor humano não abdica?
Generosidade.
Algo que a marcou?
A morte demasiado precoce da minha mãe, quando eu estava grávida da minha primeira filha. Não tenho dúvida de que essa dicotomia de perda e tragédia profunda ao mesmo tempo que experienciava uma das coisas mais bonitas que a vida nos dá – ser mãe -, marcou-me profundamente.
Um desejo. Uma ambição?
Saúde, sempre. Ambiciono sempre tocar e transformar mais vidas, se for através da arte, melhor ainda! Um desejo mais concreto – correr a Maratona de Nova Iorque é um sonho, sem dúvida.
Um livro…
Para crianças: Roald Dahl ‘O bom gigante amigo’
Para adultos: ‘Um, Nenhum e Cem Mil’ do dramaturgo italiano Luigi Pirandello, e descobri este verão a poesia de David Mourão-Ferreira, na qual estou completamente “vidrada”.
Uma música…
Podem ser três?
Para crianças, a música ‘Felizardo’ da Banda Mirim – foi o hino da pandemia dos meus filhos e os Doutores Palhaços cantam muito esta música nos corredores dos hospitais.
Outra é um clássico de sempre que trago dos meus pais e os meus filhos já adoram: ‘With a Little Help from My Friends’ dos Beatles e para dançar David Bowie ‘Modern Love’.